O Brasil na Encruzilhada do Século XXI: Exclusão ou Inclusão?

Lynn Walker Huntley
Diretora, Iniciativa das Relações Humanas Comparadas
Southern Education Foundation, Atlanta, Georgia

Brasília, Brasil 21 de setembro de 2000

Boa tarde. Gostaria de agradecer profundamente pela oportunidade de participar deste encontro histórico. É bom ver velhos amigos, rostos familiares, e fazer novos amigos. Quero principalmente agradecer a Sérgio Martins do Escritório Nacional do Zumbi dos Palmares e Iradj Eghrari da Comunidade Bahá'í pelo gentil convite para fazer alguns comentários. É um prazer compartilhar o que sei, mas também estou ansiosa para ouví-los e aprender com os senhores e com muitas outras pessoas ilustres que se apresentarão ou já se apresentaram neste evento.

Que Tipo de Nação o Brasil Aspira a Ser no Século XXI?

Sérgio me pediu para dizer algumas palavras a respeito da prática das políticas de ação afirmativa. É com prazer que o faço. Eu me lembro do encontro há poucos anos quando o Excelentíssimo Presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, em frente a uma platéia como esta lançou aos brasileiros o desafio de enfrentar o fato de que cidadãos negros e pardos deste país são frequentemente submetidos ao racismo e tratamento discriminatório que retardam a sua integração e plena participação na sociedade. O senhor presidente também urgiu os brasileiros a usarem a sua experiência e criatividade únicas para apresentar soluções para o problema da discriminação e libertar os afro-brasileiros das violações de seus direitos humanos.

Hoje estamos reunidos para avaliar a que ponto esta nação tem vivido de acordo com o desafio lançado pelo seu presidente e codificado na sua Constituição e no Programa Nacional de Direitos Humanos. Temos perguntas importantes e necessárias a fazer a esta grande nação que está na porta de entrada do novo milênio no mundo:

O Brasil será uma potência econômica e global, uma nação socialmente e economicamente integrada que encontrou formas de superar seu trágico legado de ser uma das sociedades mais desiguais do mundo, medida pela má distribuição de riqueza e renda?

O Brasil encontrará a determinação e meios para ajudar os descendentes de africanos escravizados que ajudaram a construir este país a se moverem para a sociedade predominante do ponto de vista social, político e econômico?

O Brasil transformará em realidade a promessa de cidadania plena para todo o seu povo, independentemente da cor, aparência, gênero, ou pobreza, e desta forma formar um governo democrático, vibrante e forte?

OU

O Brasil se manterá na armadilha do subdesenvolvimento, violações de direitos humanos, pobreza e miséria e perderá a sua chance de ser um líder global e uma influência para o bem, equidade e justiça a nível nacional e ao redor do mundo?

Depois de todos os discursos, relatórios e planos e organismos interministeriais, que medidas específicas de política pública e iniciativas privadas de peso tem sido implementadas para reduzir a discriminação racial e desvantagens baseadas em aparências e herança?

Em suma, que tipo de nação o Brasil quer ser tornar no século XXI, e como executará esta transformação?

Estas perguntas sobre que tipo de sociedade o Brasil aspira ser no século XXI nos reúne aqui. Elas são similares às questões que estão sendo colocadas pelos ativistas internacionais de direitos humanos e defensores sobre o Brasil. Parte do conceito de direitos humanos internacionais é que somos cidadãos do mundo e precisamos ajudar uns aos outros a superar os abusos aos direitos humanos onde quer que estes abusos se encontrem. Eu não sou brasileira, mas assim como uma crescente comunidade internacional, me importo com o que acontece no Brasil.

Questões deste tipo é que os americanos estão perguntando a si mesmos e ao nosso governo. Acabei de voltar da Conferência Nacional Sobre o Racismo na África do Sul, onde as pessoas brancas e negras daquela nação estavam fazendo perguntas parecidas. Estas são perguntas que povos ao redor do mundo estarão fazendo na Conferência Mundial das Nações Unidas Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Afins de Intolerância na África do Sul em 2001.

Perguntas deste tipo devem ser feitas se deve haver responsabilidade e transparência na entrega de serviços e satisfação de requisitos constitucionais por nossos governos. Estas são perguntas que devem ser feitas se queremos assegurar respeito e cumprimento das leis e padrões internacionais de direitos humanos. Esperamos que quando sairmos daqui teremos uma melhor compreensão dos desafios que se encontram no caminho e uma decisão mais firme para superá-los.

Como uma africana-americana que tem trabalhado por muitos anos como defensora dos direitos civis e humanos em vários lugares, tenho visto ao redor do mundo o problema do racismo e discriminação adornado em muitos diferentes trajes nacionais, culturais e históricos. Mas independentemente do disfarce, e independentemente da habilidade de racionalização para a desigualdade baseada na cor, e independentemente da força dos mecanismos de negação, as consequências são sempre as mesmas onde o racismo e a discriminação estiverem presentes. O racismo destitue as nações da unidade e cooperação de todos os seus povos na busca do bem comum. Desperdiça talento, capacidade produtiva e vidas, e contribue para a desigualdade e sofrimento humano. Abastece disparidades no poder, incentivando o abuso e exploração de grupos e indivíduos vulneráveis. Debilita o governo democrático, retarda o desenvolvimento econômico e impulsiona conflitos quando grupos ou indivíduos lutam para preservar ou resistir mudanças de um status quo injusto.

Não podemos nos dar ao luxo de ignorar o racismo e a discriminação. O racismo e a discriminação tem sérios efeitos devastadores nas vidas das pessoas e no bem estar das nações. É hora de tomar medidas corajosas para deixar no lixo da História este vestígio do pensamento antiquado baseado na supremacia branca. Se o Brasil, se a África do Sul, se os Estados Unidos quiserem prosperar na ordem econômica de globalização do século XXI, cada um terá que encontrar formas de reduzir a pobreza e o racismo entre seus povos. Encarar o racismo de frente e encontrar formas de investir na melhoria das difíceis condições dos brasileiros negros e pardos pobres não é portanto uma questão de justiça ou altruísmo. Mais exatamente, trata-se de uma questão de interesse econômico e nacional para o Brasil e todos os brasileiros.

Vamos ver rapidamente o perfil do Brasil na comunidade mundial das nações.

O Brasil, a África do Sul e a Serra Leoa estão entre as sociedades mais desiguais do mundo. O Brasil é uma nação onde 20 % da população mais rica, que é esmagadoramente branca, ganha 64 % da renda nacional. 20% da população mais pobre, que é esmagadoramente negra e parda, ganha menos de 2,5% da renda nacional. O Brasil é uma nação na qual quase 40% da população vive de um equivalente a dois dólares por dia, e mais de 20% vive de um equivalente a um dólar por dia, e a maioria desssas pessoas são negras ou pardas.

É uma nação onde as disparidades no acesso à educação, à saúde, à moradia, aos serviços governamentais, às profissões, inclusive direito, aos postos em países estrangeiros, a outros postos públicos, e à comunidade empresarial geralmente estão correlacionadas com cor e aparência. Ë uma nação onde o índice de criminalidade é alto, onde as violações de direitos humanos é frequente, onde a força de trabalho dos negros e pardos é mal-treinada, e onde o mercado consumidor é pequeno em relação ao seu potencial.

O Brasil ocupa uma posição desfavorável em termos de desenvolvimento social quando comparado com os seus vizinhos. De acordo com os dados recentemente apresentados em um trabalho de Elisa e Abdias Nascimento intitulado "Dança da Decepção," comissionado pela Iniciativa das Relações Humanas Comparadas, uma organização que eu dirijo, em 1995 o produto interno bruto per capita do Brasil foi "significativamente mais baixo do que o da Argentina ou Uruguai, mas tres vezes maior do que o do Paraguai. No entanto 43% dos domicílios brasileiros viviam na miséria, uma proporção maior que a do Paraguai e mais de quatro vezes maior que a da Argentina e Uruguai ... Brasil tinha o índice de analfabetismo mais alto, e de longe o índice de mortalidade infantil mais alto entre crianças abaixo de 5 anos de idade ... O salário mínimo era quatro vezes menor do que o da Argentina e menos da metade do Paraguai."

Minha intenção ao citar estas estatísticas não é a de embaraçar ou condenar o Brasil. Obviamente há muitos esforços dignos em andamento nesta nação voltados a aspectos destas deficiências. Tampouco estou sugerindo que os Estados Unidos tenham todas as respostas a problemas como estes. Ao contrário, os Estados Unidos tem muitos problemas significativos relacionados com diversidade e desigualdade. Estou citando as estatísticas somente para nos lembrar desde o início da natureza urgente da desigualdade racial e pobreza em sua nação. Estou citando as estatísticas para lhes contar o que os outros vêem quando olham o Brasil.

Políticas de Ação Afirmativa: Parte de Uma Resposta Necessária ao Racismo e Discriminação

Permitam-me agora expor como a prática das políticas de ação afirmativa nos Estados Unidos começou, como estas são implementadas na sociedade contemporânea e os seus resultados. Quero acrescentar que esforços como as políticas de ação afirmativa são somente um meio, mas não o único meio de combater o racismo, a discriminação e a desigualdade. As políticas de ação afirmativa são necessárias para combater o racismo e a discriminação completamente, mas por si só não são suficientes. Elas têm que ser parte de uma abordagem inclusiva e global para melhorar o status de grupos submetidos à discriminação que inclui investimentos compensatórios na educação, treinamento, saúde, moradia, emprego e outras medidas.

Nos Estados Unidos, antes da revolução dos direitos civis nos anos sessenta, era lícito impedir o acesso a empregos devido à raça, cor ou gênero. Era lícito pagar às mulheres ou africano-americanos menos pelo mesmo trabalho feito por homens brancos. Era lícito negar aos africanos-americanos e aos latinos promoções que brancos com menos qualificação recebiam. Assédio de funcionários negros, pardos e mulheres no ambiente de trabalho era generalizado e permitido. A cidadania de segunda classe de negros e pardos era reforçado pelo governo municipal, estadual e federal que frequentemente investiam menos dinheiro na educação de negros do que de brancos, ou passavam pela peneira mulheres, negros ou pardos, deixando-os fora de certas instituições.

Como resultados destas e outras práticas, algumas aprovadas por lei, outras, como no Brasil, aceitas pela prática, brancos tinham uma influência repressora nas oportunidades. Milhões de mulheres, negros e pardos produtivos foram empurrados para as margens econômicas da sociedade. Os Estados Unidos eram organizados principalmente de acordo com o princípio de exclusão, em vez de inclusão. Formal e informalmente a supremacia branca estava na ordem do dia entre as elites, assim como a dependencia numa faixa estreita da inteligência americana para dirigir a economia nacional e dominar a vida nacional. Soa familiar?

O movimento americano dos direitos civis nos anos sessenta trouxe mudanças significativas, resultando na existência de um conjunto de leis e políticas civis que proibiam a discriminação da força trabalho baseada em raça ou cor, provia reparações administrativas para pessoas que foram vítimas da discriminação, e exigia que empregadores de certo porte informassem anualmente a composição de seus empregados a um organismo federal, a EEOC, especialmente criada para monitorar o cumprimento com a lei. O governo também passou a exigir que instituições educacionais que recebessem contribuições públicas implementassem esforços para integrar seus corpos docente e discente. Os sindicatos também foram requisitados a integrar o seu quadro de associados de forma a oferecer oportunidades para grupos que tinham até então sido excluídos. O governo e grupos privados começaram a impor o cumprimento das leis anti-discriminatórias.

Além disso, políticas públicas compensatórias - como a Guerra Americana Contra a Pobreza - foram decretadas para alargar a base produtiva econômica do país. Um conjunto de políticas e programas para promover o desenvolvimento de pequenas empresas dirigido por mulheres, negros e pardos nos Estados Unidos foram criados. Alguns foram implementados pelo governo, outros por organizações sem fins lucrativos, e outros pelas próprias comunidades educacionais e empresariais.

Algumas pessoas e instituições adotaram a mudança e outros resistiram-na. Mas no final das contas, mais do que em qualquer época anterior, o acesso às oportunidades educacionais e econômicas expandiu-se e extendeu-se mais a um número maior de americanos, independentemente da cor, raça, etinicidade ou gênero.

As comunidades empresariais e educacionais dos Estados Unidos operam de acordo com essas leis e políticas há mais de 36 anos. Pessoas discriminadas por empregadores ou instituições educacionais entraram com enormes processos, e indenizações, mandados judiciais para contratação e políticas de promoção foram colocadas em prática para assegurar que pessoas vítimas de discriminação fossem validadas. Tem havido muitas mudanças na cultura e prática corporativas. E as mudanças ainda continuam.

Uma das formas que instituições empresariais e educacionais tem se transformado é através do uso de empreendimentos do tipo das políticas de ação afirmativa. O que são as políticas de ação afirmativa a que eu me refiro? As políticas de ação afirmativa não são abordagens ou práticas específicas. Trata-se de um conceito abrangente, que inclue muitos tipos diferentes de iniciativas para assegurar a diversidade e superar a discriminação. O presidente John F. Kennedy usou o termo "affirmative action"na ordem executiva 10925 em 1961 quando ele propôs que a nação tinha que executar medidas (afirmativas) que procurassem superar os efeitos no presente de um passado de discriminação.

A expressão "políticas de ação afirmativa" em si é um lema, pois se trata de um meio para ajudar grupos submetidos à discriminação ou situações desvantajosas. Como o juiz do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos Harry Blackmun disse: "para superar o racismo, primeiro temos que levar em conta a questão racial."Isto significa que recursos devem ser direcionados para ir de encontro às necessidades de grupos e indivíduos que tem sido submetidos à discriminação.

As medidas das políticas de ação afirmativa podem ser em forma de atração de candidatos, empregos especialmente direcionados, programas educacionais e de treinamento, criação de incentivos especiais para estimular o desenvolvimento de pequenas empresas por grupos com baixa representatividade, contratos direcionados e políticas de aquisição, programas para mentores, e outros esforços de gerenciamento para tornar acolhedor o local de trabalho ou a instituição educacional aos grupos até então excluídos. As políticas de ação afirmativa são soluções para problemas específicos. As formas que as políticas de ação afirmativa tomam dependem da natureza e grandeza do problema que se propõem a resolver.

As políticas de ação afirmativa são curativos flexíveis que podem ser encomendados ou voluntariamente adotados para promover a diversidade. Podem ser a resposta necessária à discriminação intencional ou não-intencional contra grupos discretos ou indivíduos uma vez que o efeito da discriminação nas suas vítimas é o mesmo qualquer que seja a intenção daquele que comete o ato discriminatório.

Os Quatro Componentes das Políticas de Ação Afirmativa

Permitam-me agora a lhes apresentar, através de exemplos, como firmas empregadoras nos Estados Unidos, estatais e privadas, usam as políticas de ação afirmativa. Lembrem-se que as políticas de ação afirmativa podem também ser usadas na educação e outras áreas. Aqui está o que os empregadores fazem.

Primeiro eles olham o seu quadro de funcionários e indagam se o quadro inclue toda a gama de diferentes grupos de pessoas que se espera ter levando-se em conta a composição do lugar onde a empresa está funcionando. Se uma empresa opera numa cidade onde 50% da população é negra, e não há negros no quadro de funcionários, isto pode sinalizar ao empregador que sua empresa está fazendo algo errado, porque se o sistema fosse justo, seria razóavel esperar que houvesse alguns negros. Desta forma, se o empregador descobre que há grupos que nào estão incluídos depois de uma auditoria da sua força de trabalho, isto indica um problema em potencial.

Em segundo lugar o empregador examina suas práticas de atração de candidatos, contratação, treinamento e promoção para descobrir porque a sua força de trabalho não se assemelha à comunidade ou nação onde a companhia opera. Às vezes as companhias descobrem que há empregados que não gostam de pessoas diferentes de si mesmas e discriminam contra estas pessoas, formalmente ou secretamente. Nestes casos o empregador pode ter que treinar ou despedir aquele empregado.

Às vezes a empresa pode descobrir que sua política de atração de candidatos funciona de "boca a boca" e resulta numa seleção limitada de pessoas parecidas ou nepotismo. Talvez a empresa tenha que anunciar nos classificados de diferentes veículos da mídia para atingir grupos historicamente ausentes da sua força de trabalho, mandar representantes do departamento de recursos humanos para as universidades onde estão concentrados os membros dos grupos raciais ausentes da força de trabalho, ou contratar pessoas pertencentes às minorias raciais para encontrar outras pessoas das minorias raciais para trabalhar na empresa. Às vezes a empresa pode descobrir que tem a má reputação entre pessoas de determinado grupo de não ser um lugar acolhedor para se trabalhar, e esta é a razão pela qual mulheres e pessoas de minorias raciais não estão se candidatando às sua vagas. A empresa então se concentra em recursos filantrópicos para atingir estas comunidades ou faz um marketing dirigido às pessoas na comunidade para fazer estas pessoas se sentirem bem-vindas. Esta é a razão pela qual se lê em muitos anúncios de empregos nos classificados dos jornais dos Estados Undidos: "Equal Employment Opportunity Employer" - empregador (que oferece) oportunidades iguais de emprego. Isto mostra aos leitores que o empregador acolhe candidatos diversos para as vagas e que valoriza a diversidade. Um empregador nos Estados Unidos jamais poria um anúncio nos classificados exigindo "boa aparência"" que todo brasileiro negro ou pardo sabe que significa que não é para eles se candidatarem.

Às vezes o empregador descobre que os testes usados para seleção são injustos e barram pessoas por causa de critérios não-relativos à função. Isto mostra a necessidade de refazer o teste para assegurar que se avalie melhor e com mais precisão os requisitos necessários para desempenhar as funções.

Supondo que o empregador faça uma inspeção, descubra uma baixa representatividade de um grupo, pesquise a disponibilidade da força de trabalho na comunidade e verifique que não há mulheres ou negros com o conjunto de habilidades ou educação exigidas para a função. Neste caso o empregador pode concluir que não há discriminação na sua empresa, mas que a discriminação pode estar no sistema educacional.

Em terceiro lugar, os empregadores desenvolvem um plano de ação para corrigir os problemas encontrados. Este plano de ação é um instrumento, um guia, para ajudar os gerentes da empresa a reformar as práticas, políticas e suposições que resultaram na não existência de um quadro diversificado de funcionários e inclusivo. Às vezes o plano de ação estabelece objetivos ou alvos. Pode dizer : "em cinco anos esperaríamos ter mulheres em 20% ou negros em 40% de determinadas funções, levando-se em consideração as projeções de crescimento da força de trabalho, rotatividade e disponibilidade da força de trabalho." Este último detalhe sobre força de trabalho e conjunto de habilidades é muito importante. Os planos da política de ação afirmativa não exigem que se contrate pessoas que não apresentem as qualificações necessárias para a função. O que se exige é que os empregadores identifiquem as qualificações reais necessárias para a função e que não as inflacione para deixar de fora grupos ou pessoas específicas. Em alguns casos, os empregadores podem desenvolver programas de treinamento específicos para pessoas que não tenham as qualificações necessárias a fim de ajudá-las a se qualificar para as vagas. O que importa é que bons gerentes diagnostiquem o problema, elabore um plano para resolvê-lo e então trabalhem na sua implementação.

Por fim, os empregadores implementam o plano e monitoram os resultados, modificando sua abordagem para ir de encontro às mudanças de circunstâncias. Como em qualquer decisão empresarial, pesquisas mostram que nos Estados Unidos a coisa mais importante que um empregador pode fazer para alcançar diversidade da sua força de trabalho é indicar para seus gerentes e equipes que a avaliação de salário e desempenho está ligado à implementação efetiva do plano. Quando eu trabalhei no Departamento de Justiça dos Estados Unidos por exemplo, a avaliação do meu desempenho incluía a consideração de como selecionei e gerenciei uma força de trabalho diversificada constituída de advogados na minha sessão de julgamento. Os empregadores monitoram o progresso alcançados, os problemas emergentes, e deixam claro que discriminação ou exclusão devido à cor ou gênero, ou outras critérios superficiais que não dizem respeito à função não serão toleradas.

Empregadores bem-sucedidos entendem que uma vez iniciada uma dinâmica de mudança, alguns empregados resistirão; outros terão dificuldadesde se ajustar às mudanças. Porisso empregadores nos Estados Unidos frequentemente falam sobre "gerenciar mudanças", ou "gerenciar diversidade". Estas expressões fazem lembrar que como em todas as decisões de negócios é preciso esforçar-se para assegurar que os planos sejam implementados efetiva e eficientemente e que as políticas corporativas sejam compreeendidas por todos.

Há ainda um longo caminho pela frente nos Estados Unidos para se eliminar completamente o racismo e a discriminação no ambientel de trabalho, no local de treinamento, na instituição educacional e outros pontos de encontro. Mas as políticas de ação afirmativa funcionam. No espaço de algumas décadas mais de um terço da população africana-americana se moveu para a classe média devido às maiores oportunidades disponíveis, graças aos, entre outros, programas de ação afirmativa que melhoraram a educação, treinamento e empregabilidade. Mulheres, principalmente mulheres brancas, tem sido as principais beneficiárias das políticas de ação afirmativa.

Algumas pessoas nos Estados Unidos se opõem à implementação dos programas das políticas de ação afirmativa porque eles dão certo! Estas pessoas tem medo de perder os benefícios não merecidos oferecidos pelo status quo uma vez que o sistema baseado em mérito - ação afirmativa - seja colocado em vigor.

Embora haja resistência às políticas de ação afirmativa, é também interessante o fato que muitas empresas americanas as apóiam com convicção e as adotam. Há várias razões para isso:

As empresas estão atentas às tendências demográficas. Sabem que dentro de algumas décadas, não-brancos constituirão uma porcentagem maior do que nunca da força de trabalho na qual dependem o crescimento econômico nacional, a produtividade e a geração de riquezas. Estas pessoas não brancas são e serão uma porcentagem crescente do mercado consumidor nacional, e trabalhadores de cujas rendas programas de bem estar social como pensões, serão financiadas. Nos Estados Unidos há um consenso crescente de que o país não pode se dar ao luxo de marginalizar a enorme porcentagem de sua capacidade produtiva incorporada nas pessoas não brancas e mulheres. A criação de um monopólio virtual de empregos e oportunidades de uma educação de qualidade para brancos pode ser uma forma de mantê-los privilegiados a curto prazo, mas não se consiste mais numa forma de avançar o desenvolvimento e crescimento de toda a nação. Assim, planejando antecipadamente, as empresas americanas e o nosso governo sabem que o seu crescimento e a prosperidade nacional estão ligadas à habilidade do país em identificar, nutrir e desenvolver o talento de seu povo historicamente excluído.

Aqui está um outro fato interessante: muitas das maiores companhias do país estão resistindo aos esforços de desfazer os programas da política de ação afirmativa. Elas sabem que ter pessoas de culturas, perspectivas e experiências diferentes como empregadas é um benefício em termos de marketing, planejamento e gerenciamento da força de trabalho em um mundo de diversidade, unido por forças de globalização. A comunidade americana empresarial sabe que é uma vantagem recorrer à perspicácia das pessoas dos mercados consumidores que estas empresas tem como alvo. A diversidade está ligada à lucratividade.

Na edição de julho de 1999 da revista Fortune, um dos artigos principais é intitulada "Onde a Diversidade Funciona de Verdade". Entre outras coisas, lê-se no artigo:

Quando uma companhia decide tornar-se um bom lugar para minorias, acaba descobrindo que tal ato cria um ciclo de auto-fortalecimento, no qual bons candidatos pertencentes a uma minoria entram para a companhia porque vêem empregados pertencentes a grupos minoritários se dando bem dentro desta companhia. "Se a sua companhia se torna conhecida como sendo um ótimo lugar para mulheres, negros ou asiáticos, ela atrairá pessoas de talento", diz Maria Lagomasinco, diretora dos serviços bancários globais do Banco Chase.

Ralph Bazhoaw, presidente do Luna, diz: "nunca se sabe. Você pode perder a oportunidade de contratar alguém de talento se não se buscar candidatos oriundos do maior número possível de fontes."

O artigo conclui que:

Pura realidade: pode-se ser inflexível e cético como se queira - diretores executivos tem que tomar decisões difíceis e fáceis e a tentativa de tornar-se uma das melhores companhias da América para as minorias está parecendo a decisão mais fácil. Uma previsão segura para o futuro. Algumas companhias ainda serão melhores que outras para as minorias. Muitas companhias tentarão arduamente entrar na lista das melhores. Mas dificilmente alguém questionará o porquê.

Artigos como este estão proliferando nos Estados Unidos. Estes e relatórios como os do Federal Glass Ceiling Commission (Comissão Federal do Teto de Vidro), ou o Relatório Econômico do Presidente, ou os relatórios do meu projeto, Além do Racismo, Adotando um Futuro Interdependente, todos mostram a importância de que ter uma força de trabalho diversificada e inclusiva é a chave para melhorias na produtividade, competitividade e lucratividade.

Não é somente nos Estados Unidos que se usa políticas de ação afirmativa. A Índia, Israel e um número crescente de países europeus, e a África do Sul, todos usam abordagens do tipo ação afirmativa para melhorar e alargar a base econômica e a produtividade da força de trabalho em seus países. As políticas de ação afirmativa são sancionadas e exigidas pelos instrumentos internacionais de direitos humanos promulgados pelas Nações Unidas na qual Estados-membros se comprometeram. As políticas de ação afirmativa referem-se à promoção da inclusão ao invés da exclusão. Referem-se ao desenvolvimento do talento e capacidade produtivas de grupos marginalizados de forma que estes possam contribuir de forma positiva para o sustento de si mesmos, de suas comunidades e para o fortalecimento das nações.Às vezes eu me pergunto como alguém poderia se opor de verdade às políticas de ação afirmativa. Parece tão óbvio que todos os nossos países seriam mais fortes se todos os seus povos, que são a verdadeira riqueza das nações, pudessem contribuir para o bem comum. Portanto não se desculpem por promover políticas de ação afirmativa. Não as encarem como uma defesa de uma causa especial. Quando se exige políticas de ação afirmativa, não somente se está assegurando um benefício para negros ou mulheres ou indígenas ou outros que tem estado às margens da sociedade do ponto de vista econômico e social. Quando se exige políticas de ação afirmativa se está também sendo patriótico e tentando ajudar a nação a realizar plenamente todo o seu potencial.

O Brasil na Encruzilhada

O que tudo isso significa para o Brasil? Várias coisas. Os senhores e senhoras conhecem seu país melhor do que eu poderia desejar conhecer, mas vou me atrever a fazer algums observações.

A observação mais importante que eu posso fazer relaciona-se com o crescimento econômico do Brasil. Apesar de que a sua nação tenha começado a adotar o comércio livre e esteja cada vez mais envolvido com a economia global, a fatia do Brasil no comércio mundial é ainda relativamente pequena, responsável por apenas nove-décimos de um ponto percentual das exportações mundiais. O México, com uma economia equivalente a mais ou menos à metade do Brasil, é responsável por 2% das exportações mundiais. Enquanto a exportação de bens e serviços é responsável por 6% do produto interno bruto brasileiro, ela representa 26% do PIB no Chile. Na era da informação global, para o qual o mundo se caminha, o Brasil precisa encontrar meios de melhorar e aumentar as oportunidades para metade de sua população - pessoas negras e pardas - se quiser capacitar-se para a expansão de suas exportações e utilizar modernas technologias sofisticadas na indústria.

Investidores não querem arriscar seu capital em nações onde doenças que não conhecem barreiras se proliferam facilmente devido à precariedade dos serviços de saúde, ou onde o crime e a violência praticadas por pessoas desesperadamente pobres levam à repressão policial, sequestros, abusos de direitos humanos, proliferação de guardas de segurança particulares e mais comunidades cercadas. O capital não flui por muito tempo em lugares como estes, ou onde a falta de uma força de trabalho altamente qualificada e de alta technologia é previsível porque a massa das pessoas recebe uma educação de qualidade inferior que os prepara precariamente para competir no mercado global. O turismo não vai se expandir enquanto um número crescente de africanos e africanos-americanos cada vez mais expressarem mal-estar por verem uma linha racial nítida. Governos estrangeiros, incluindo os Estados Unidos e a África do Sul, esperarão ver uma verdadeira democracia racial no Brasil e não se sentirão à vontade formando laços com países conhecidos por seu racismo e pobreza.

Queridos amigos, seu país corre o risco de se tornar mais e mais associado com a negação dos direitos humanos por causa do padrão existente de baixo investimento na saúde, educação, treinamento e empregos para negros e pardos. As companhias multinacionais e as agências multilaterais que têm negócios aqui estão sob crescente pressão de grupos nos Estados Unidos e outros lugares para parar de fazer negócios e ter relações com países cujas práticas violam princípios e padrões éticos não-discriminatórios. O governo dos Estados Unidos e outros estão sendo pressionados por grupos de direitos humanos para tornar a discriminação documentada pelo Special Rapporteur das Naçõeses Unidas, Maurice Glele; pela Organização dos Estados Americanos; pelo Human Rights Watch, por minha organização e outras, um ponto de debate nas relações inter-governamentais. O desenrolar destes acontecimentos pode ainda não ser palpável para os senhores e senhoras, mas estão se fortalecendo.

No trabalho na qual me envolvi nos últimos cinco anos, eu aprendi a amar o talento e a criatividade dos brasileiros. É por causa deste amor que eu lhes peço para agir em nome do interesse nacional e adotar esforços sérios e constantes para promover a inclusão de negros e pardos na sociedade predominante.

O mundo está se tornando menor. Os ventos da mudança, da globalização, da competitividade global, dos direitos humanos internacionais estão soprando mais fortes do que nunca. O Brasil vai estar em foco na Conferência Mundial Contra o Racismo. É meu maior desejo que o Brasil, em preparação para esta Conferência Mundial decrete medidas corajosas de política pública para mostrar ao mundo que realmente aspira a ser uma "grande democracia racial," não em palavras, mas em atos. Brasil, seu país necessita da energia e liderança para combater os abusos de direitos humanos ao redor do mundo, mas primeiro é preciso olhar internamente. Façam a pergunta: que tipo de nação aspiramos a ser no século XXI? Depois trabalhem com determinação para corrigir o que é necessário para transformar o seu país.

O Brasil está numa encruzilhada. Vai seguir o caminho da inclusão ou vai continuar no da exlusão? Esta é a questão.

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